sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sabia o que ia acontecer desde o momento em que ele apareceu na rua. Vinha de lá de baixo fazendo barulho com a moto. Veja: não é preconceito, é probabilidade, ou estatística, ou sei lá que nome dar. Pensei por um segundo na possibilidade de um pensamento supernatural, mas não. Não desejei, só soube. Foram as estatísticas-ou-sei-lá.
Os fatos eram: Sete e treze da manhã, cerca de dez estudantes como testemunha ou fonte de conversas posteriores, um assunto que ficou pela metade, e ele - só pude ter conhecimento da altura, já que o gorro do moleton cobria seu rosto.
Para os preocupados e detalhistas, sim!, ele tinha um capacete e estava lá. Mais precisamente no meio do guidon, protegendo o painel, provavelmente.
Ele jogou o corpo pra trás empinando a moto. Jogou demais, empinou demais e o som e silencio que se seguem foi de costela quebrada, cabeça batida, graxa, respiração presa, susto, olhar atento, olhar desviado, coração acelerado, pneu, medo, vidro quebrado, meupaisantissimo, gente correndo e gente gelando. Coisa da segundos, porque logo depois ele levantou do chão, andou até a moto - que pareceu ter esquecido que é necessário um motorista para que ela possa andar -, pegou o capacete caido, colocou de volta no seu lugar - em cima do painel, do meio do guidon - sentou-se e foi embora.
Ouvi depois que era a segunda vez que ele capotava. Não sei. Só sei que os pedaços de vidro continuam jogados na rua.

sábado, 9 de maio de 2009

"Antes você meio que se destacava na multidão, sabe? Agora, sei lá, parece uma multidão dentro de uma só pessoa. São tantas manias, tantos pensamentos, tantas ideias... E tem histórias das quais eu fazia parte, histórias que eram nossas, mas são tão poucas, vendo agora, que eu nem faço questão..."
"Entendo...", disse ele, reclinando as costas no encosto da poltrona e olhando pesarosamente para o bloquinho em branco como se tivesse algo muito incomodo anotado.
Ele abriu a boca como se fosse terminar a frase e ela encarou-o. Sentindo-se firmemente observado e na obrigação de dizer algo, mas sem nada notável que passasse pela sua cabeça, concluiu:
"Então eu acho que o seu horario acabou, senhorita. Você pode, por favor, deixar o cheque na recepção, sim?"
"Então adeus, doutor." disse, levantanto-se do divã, sabendo que nunca se perdoaria por isso, enquanto ele acendia um charuto.
"Adeus..."

domingo, 3 de maio de 2009

nada como a depressão pra entender os poetas, não é mesmo?

A cada dia que vivo,
mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.